Archive for the ‘1 – ESO ASTRONOMY CAMP 2013 – Diário de Bordo’ Category

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Era finzinho de tarde quando todos nós saímos para entrada do hotel, num frio tremendo. Muitos foram pra porta sem saber exatamente o que estava ocorrendo. Todo muno estava olhando para o céu. Era a passagem da Estação Espacial Internacional (ISS).

Demorei muito para achar, já estava ficando até triste. Um pequeno pontinho em movimento uniforme. Lembrei de uma situação semelhante, que tinha vivenciado meses antes, durante o Encontro Nacional de Astronomia (Enast), sediado em Brasília. Em um dos dias do evento fizemos uma observação de Vênus a olho nu, de dia mesmo. Aquilo foi muito legal, embora para mim fosse complicado ficar olhando pro céu claro, mas consegui ver esse planeta ali, de certa forma bastante expressivo. A passagem da ISS é bem comum e dá pra ver do hemisfério sul também.

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Que ironia do destino. Até definição acadêmica de planetário eu já elaborei (embora eu tenha conhecido outra melhor depois) e até então eu nunca tinha visto uma sessão sequer de um planetário “de verdade” (pois com o meu miniplanetário fiz inúmeras). E a primeira que eu assisti foi bem longe de casa.

O planetário de Saint-Bharthélemy não é grande, mas é aconchegante. A sessão foi bastante simples, falando sobre as constelações, em projeção digital, numa sessão completamente narrada em inglês que deve ter durado em torno de meia hora. Foi um momento bem emblemático para mim que passei a vida acadêmica envolvido com planetários itinerantes e agora estava tendo a oportunidade de ir em um real.

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Muita ansiedade e alegria pela partida! Nervosos mesmo só os integrantes das nossas famílias. Foi ápice de uma árdua luta de organização e divulgação dessa conquista. Nem eu nem a Marcella tínhamos ido à Europa antes e eu nunca imaginei ter essa oportunidade tão cedo, mesmo que para estudo, como foi o caso.  Nosso trajeto inteiro foi longo, mas só não superou a quantidade de escalas que o Lucas fez. De Brasília pegamos um vôo para Guarulhos/SP, e outro sem escalas para Milão. Doze longas horas, ainda mais pela euforia da ida e pelas novidades que viriam. O Lucas, além desses voos que mencionei, foi de carro da cidade dele, Ariquemes, até Porto Velho. De lá, pegou um voo até Goiânia e de Goiânia até Brasília. Ufa!

Essa “longa” viagem nem foi possível perceber ao retornarmos. Estávamos tão cansados no regresso com essa aventura que só acordamos com o cheiro das refeições no avião. Nossas baterias estavam tão gastas que nem levantar para ir ao banheiro foi necessário, dormimos em todo o voo. Na bagagem, muitos presentes e muitas histórias.

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Rotina rígida! Não tivemos tempo para descansar nenhum segundo. Foi uma atividade atrás da outra.

De todos os seres humanos participantes do acampamento eu fui o único a ter uma regalia: um apartamento inteirinho só pra mim! O detalhe é que esse aposento ficava na rua da frente e todo dia tinha que ir e voltar dessa instalação. Pense no frio que eu enfrentava logo cedo e ao fim do dia… Se meu amigo Roniel (o professor de sociologia que orientou a elaboração do vídeo do Lucas) tivesse tido sua ida para Itália financiada ele teria divido comigo uma instalação de primeira, com uma vista da janela sem igual. Penso que a minha visão só seja superada pela dos astronautas em órbita da Terra. Eu só via montanhas magníficas e neve, muita neve!

Os estudantes e as quatro professoras participantes do acampamento ficavam no hotel da cidade, onde fazíamos todas as refeições e assistíamos às palestras. Quando não estávamos nas palestras, estávamos entretidos com alguma atividade na neve ou visitas ao planetário ou ao observatório. Chegávamos exaustos ao fim do dia. Num ritmo tão intenso, esses cinco dias passaram num piscar de olhos.

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Por falta de um conhecimento mais preciso da duração dos deslocamentos por terra na Itália, nossa passagem de volta para o Brasil acabou sendo comprada pro dia 1º de janeiro de 2014. Resultado: em vez de passarmos o réveillon sob as águas do Oceano Atlântico tivemos que “acampar” no aeroporto por 30 horas. Isso mesmo T-R-I-N-T-A horas.

Essa espera toda foi até divertida, gastamos tudo o que não tínhamos em máquinas de comidas, chaveiros, ímãs de geladeira (clássicos…) e lembrancinhas para família e amigos. Sem opções de atividades, conhecemos o aeroporto inteiro, ficamos horas na internet e em livros até enjoar. Tinham alas no aeroporto que não havia ninguém, uma viva alma sequer. Mas não era bom “dar mole”: enquanto um cochilava, o outro ficava acordado. Uma senhora que se deparou conosco em certo momento nos ofereceu de tudo – bebida, comida – mas gentilmente recusamos, ela era estranha e parecia ligeiramente suspeita.

Na hora da virada do ano mesmo não escutamos nenhum barulho. Também pudera, quase ninguém ali; outra que não existe absolutamente nada ao redor do aeroporto de Milão. Eu estava no Facebook e a Marcella no Skype, nos comunicando com nossos conhecidos. Nessa situação inusitada, tiramos uma foto para as redes sociais improvisando um tripé para a máquina fotográfica, há mais de 11 mil quilômetros de casa.

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A viagem em si foi um belíssimo presente que aniversário que a Marcella conquistou não só pra ela, mas também pra mim, contemplando meu trabalho e a parceria de todo mundo envolvido, diretamente ou não, com a infinidade de projetos que encabecei ano passado.

Na noite do dia 29, antes da palestra do dia, puxaram um “Happy birthday to you” para mim. Fiquei muito feliz. Ganhei um pendrive que suponho que poucas pessoas devem ter um igual. É no formato de um robozinho – mais nerd é impossível. Ele é um souvenir do CNES – Centre National D’éstudes Spatiales, uma agência francesa cujos estudos têm caráter industrial e comercial. Vinte e sete voltas completas em torno do Sol.

 


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Eu estava com uma expectativa bem alta sobre essas refeições, mas acho que o fato da comida ter sido feita em grande quantidade tirou um pouco do sabor. Os pratos poderiam ter tido um tiquinho a mais de temperos para o meu paladar. De todo modo, o frio italiano do inverno requer muita massa! Tivemos, durante os dias do acampamento, além de um monte de coisa diferente, macarrão e pizza.

Sou muito chato com carnes, portanto, não provei nenhuma. A Marcella comia até pedra. No primeiro jantar já tinha carne de cordeiro. E num outro jantar tivemos uma carne lá… Até puseram no meu prato, mas ela não me atraiu nenhum pouco. Enquanto Marcella devorava aquilo que parecia ser uma coxa de frango, uma colega portuguesa se referiu à carne que estava sendo servida. Aquilo era carne de coelho!  Marcella perdeu o apetite na hora, mas já era tarde… só restavam os ossos daquele bichinho fofo que simboliza a páscoa. Ficou o trauma irreparável para a Marcella, e é claro que eu vou zoá-la para sempre por isso.

Uma coisa que eu achei interessante e até lamento por não ter participado eram dos lanchinhos que quase todos os jovens trouxeram dos seus países de origem. Comi bombons dos mais diversos.

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Um pequeno susto em relação ao Lucas (o outro participante brasileiro) ao chegarmos ao Aeroporto de Milão. Ele logo saiu do avião e foi pegar as malas antes da gente. Ficamos encucados sobre como ele poderia ter “desaparecido” tão rápido dos nossos olhos. O procuramos em toda região do desembarque, mas nada. Pensamos que ele já pudesse ter deixado o lugar e estar com a equipe da ESO, do lado de fora. Saímos e nos deparamos com uma das monitoras segurando uma plaquinha “EsoCamp” e nos juntamos aos demais jovens que haviam chegado de vários países, mas nada do Lucas.

Uma senhora que surgiu na saída, por sorte, chegou até nós falando que um jovem tinha sido retido pelas autoridades, mas que não estava conseguindo se comunicar claramente com eles. Ela foi nossa salvação pois explicamos a ela que o garoto tinha ganho a bolsa de estudos para o curso e que não era nenhum aventureiro perdido. Ela levou nosso recado “aos caras”, que se comunicavam em italiano e o Lucas foi liberado.

Depois desse pequeno susto veio um episódio que me deixou muito … sei lá! A monitora da ESO foi me apresentar a duas professoras, uma turca e uma iraniana.  A professora turca me cumprimentou “normalmente”, com um aperto de mão, mas naquela euforia da chegada eu acabei estendendo a mão para a docente iraniana sem pensar nos costumes dela. Nossa… como eu fiquei sem graça, pois ela virou o rosto e baixou a cabeça. Choque cultural completo. De tão envergonhado que fiquei com a situação ela própria se desculpou (e eu também); e pelas poucas palavras que troquei com essa professora, ela me passou a impressão de que essa situação parecia ser corriqueira e fez um sinal para eu ficar tranquilo.

No fim do dia só me restou um pouco de apreensão pelas condições climáticas para observação do céu. O tempo estava completamente fechado, frio e muito, muito chuvoso. Dali todo o grupo foi de ônibus até o Saint-Barthélemy numa viagem que deve ter durado mais ou menos umas três horas.

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“Que frio meu Deus!”. Essa frase deu o tom de TODO o passeio pelos Alpes italianos. Embora eu já tivesse visto neve antes, eu nunca tinha visto tanta na minha frente. Alegria! Em duas das três atividades na neve, fiquei em um grupo separado do da Marcella. E foi melhor assim. Me poupou de ser ainda mais zoado por ela.

No dia em que fui para a estação de esqui, o tempo estava fechado, ventava muito e a neve caía. Nesse grupo eu tinha a companhia do Lucas – o outro brasileiro selecionado para o acampamento. “Esquiar” é muito divertido, mas só brinquei mesmo, não consegui andar mais que 5 metros sem levar um tombo. Fiquei até meio constrangido pois eu sempre ficava como último do grupo, mas a brincadeira foi muito divertida, mesmo sendo gelada.

Em outro dia tivemos uma caminhada na neve. Mas se engana quem pensa que essa seria uma atividade leve e tranquila. Foram mais de duas horas andando por uma trilha sinuosa extensa que parecia que não ia ter fim. Usávamos um acessório de plástico acoplados à bota (parecido com um pé de pato) para evitar de afundarmos nossas botas na neve. Foi uma saída tão linda quanto cansativa. Minha bota não vedou toda umidade e meus dedos estavam congelando, mas contemplar as belíssimas paisagens das montanhas e da tundra não tem preço.

Em outro momento de descontração – o mais divertido de todos – todo o grupo foi novamente brincar, escorregando de boias do alto de uma pista íngreme. Uou! Foi super massa, tirando os momentos em que as boias saiam da pista e íamos dar de cara com uma montanha de neve. Guerrinha pra finalizar.

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Gilberto Gil sempre soube expressar em suas canções assuntos de ponta discutidos na ciência. Salvador Dali retratou com muita criatividade a relatividade do tempo em seus trabalhos. Olavo Bilac romantizou apaixonantemente o céu em sua poesia “Ouvir estrelas”. Durante o ESO Camp também não foi muito diferente: os organizadores do evento separaram os estudantes em grupos para demonstrarem em forma de poesia, desenho ou música o gosto pelos astros. Na minha opinião, saber expressar o conhecimento científico sob uma forma alternativa, como a artística, revela uma habilidade criativa sem igual.

Durante os dias em que tivemos no acampamento, os estudantes foram elaborando suas produções artísticas para apresentarem no último dia de atividades. A garotada se esforçou: brincadeira era “competitiva” e em cada categoria diversos grupos se apresentaram. De forma geral as expressões artísticas foram criativas, mas nenhuma superou a afinação e a inventividade das meninas que compunham o grupo que a Marcella integrou.

A cantoria do grupo dela foi uma paródia cuja letra estava relacionada à estrela Síruis – aparentemente a mais brilhante vista aqui da Terra.  A equipe recortou melodias das canções “Somewhere Over The Rainbow” e “We will rock you” o grupo levantou “a galera”. Resultado: além de vencer na escola o Show e Talentos 2013 na categoria “canto”, a equipe das luluzinhas que a Marcella integrou também levou a vitória no posto de melhor canção no ESOCamp.